domingo, 30 de outubro de 2011

Marcha soldado



"Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dante; mas eu não estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitu, mas então com as mãos, e disse-lhe,–para dizer alguma cousa,–que era capaz de os pentear, se quisesse."

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Também a dor tem suas hipocrisias

Eu nem sei mais e acredito em tudo que mais quero, pelo menos eu tenho ela pra me beijar. Me guardar em um abraço, acuando meu choro, acariciando meus cabelos, como se quisesse roubar toda minha dor para eu ficar bem.
Eu queria uma vida muito diferente dessa, mas "chega de querer, filha". Uma vez ouvi e vi um pai dizer isso para uma criança que carregava uma boneca e um sorvete derretido nos braços dentro de uma piscina de bolinha. Eu não me lembro muito bem o que ela queria, acho que ela queria era ficar ali babando sorvete nas bolas coloridas. Ou mudar de mundo e ir para o Carrossel. Imagine que legal subir em um cavalo e dar voltas ao mundo. Em ciclos e na próxima volta, depois que rodasse novamente e voltasse a vista do pai já estava grande.
Eu fico pensando se reclamo com bonecas e sorvetes nas mãos ou se minhas mãos estão vazias. Se quando eu completar essa minha próxima volta para enxergar (diferente de ver) meu pai e sorrir eu já esteja mais velha.
Eu ainda acredito em mim.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

30 segundos e todo o tempo do mundo. A ampulheta virada, com aquela areia verde, que nunca vi, contando os dias. Os nossos dias. Final de novela. Acréssimos do segundo tempo. Ultimo set. Mais cinco minutos e eu acordo.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Assunto: Aviso de um pedaço que apodreceu.

Oi.
Senti muito a morte da Branquinha. De ouvir ela chegar quieta nos lugares, com um miado leve como quem diz "oi" bem baixinho para não atrapalhar meus pensamentos.
Depois eu fico imaginando que todos os animais que morrem ficam no paraíso dos animais, vivendo livre. Um limbo lindo.
Longe da gente, de gente.
A última noite da Branca ela dormiu entre meus pés. E eu chorei. Estava um pouco frio. E você sabe que eu gosto quando algum corpo esquenta meus pés.
Lembro de uma das últimas vezes que eu chorei pela sua partida e ela veio se encaixar em mim, fazendo carinho com o corpo dela, esfregando as costas na minha perna.Parecia que ela sabia que eu chorava por você. E, engraçado, que ela soltou alguns miados diferentes, mais agudos, como se estivesse chorando também.Eu a abracei e minhas lágrimas molharam seus pêlos. Agora que eu choro de saudades dela, quero seu colo, pode ser?
Ela não saiu do meu lado aquele dia. E nunca vai sair.
Estou um pouco cansado, vou dormir.
Só quis te contar, afinal vocês se davam muito bem.