sábado, 3 de janeiro de 2009

Vergonha do Pés.


"Jaime,
Sou uma pessoa solitária.Mesmo acompanhada,senti-me só.É minha natureza,não sei que espírito ruim me possui,ou quais os males que estou pagando, só sei que não consigo viver feliz.E nem mais quero, pois sinto-me totalmente desesperada e sem talento para a paz.O que tenho é tédio, tédio de tudo e tudo mais.Quero dormir, mas não consigo.Quero levantar-me e andar léguas, mas um sono incontrolável se apodera de mim.Sou assim.Uma pessoa que, por algum motivo misterioso, aprendeu a sofrer e, gostando ou não, viverá sempre assim: sofrendo.Nenhum motivo mais será necessário, nenhuma dor, nenhuma perda.Apenas o dormir ou não dormir, o acordar e o nada a fazer, além de ficar na cama pensando sobre os meus pés e os pés humanidade.Eu, que nenhum talento possuo, que passarei pela vida sem ter cometido uma grande obra. Sem ser herói ou assassino.Passarei pelo mundo como os milhões já passaram,os bilhões, trilhões de desconhecidos que não tiveram nada para deixar pro futuro.Milhares de rostos na sombra do limbo.Cada qual dependendo de filhos, netos, bisnetos e tudo o mais, para serem relembrados.Porém a memória da vida de um homem médio não dura mais que três ou quatro gerações.Algumas pessoas são imediatamente esquecidas quando partem.
Partem pra onde?Pra onde irei quando morrer?Os que têm filhos vão para portas-retratos. Viram mártires,porque os mortos são santos.Os mortos que têm família tornam-se flores num jarro.Retratos pintados à mão.Tornam-se algumas histórias engraçadas ou comoventes.Os mortos são dia de finados, dias de aniversário, Natal e nada mais.Mas já é alguma coisa. Mesmo que isso seja tudo que uma pessoa ganha por ter vivido setenta anos ou mais, é alguma coisa.E pra mim , o que sobrará da minha existência?Isso!Não mais existirá.Nada.Nenhum filho ingrato a curar suas mágoas suas culpas, indo colocar flores no jarro sobre minha lápide.Nenhum amor chorando, pela lembrança de minha juventude.Nem amigos contando histórias sobre porres inesquecíveis.Nada. Um dia encontrarão algumas fotos e cartões-postais numa caixa de madeira velha.Encontrarão restos de mim, em papel e anotações.Talvez um corretor imobiliário encontre minhas lembranças todas, dentro de uma caixa velha de papelão. Um dia, talvez uma jovem curiosa, mexendo com papéis velhos numa feira de antiguidades, encontre fotos minhas. Eu, com minha prepotência e alma de escritor.Que nunca escrevi um só linha que prestasse.Ali, na caixa de madeira de madeira ou papelão.Fotos de uma mulher que nunca quis ter filhos e não os teve.Fotos de uma mulher que não cultivou amigos, nem amantes eternos.
Rasgarei todas as minhas fotos quando sentir a morte chegar.Peço a algum Deus, caso exista e esteja me escutando:avise-me quando a morte estiver em meu encalço!Não serei eterna como aqueles que fizeram algo estrondoso.Não sou Proust , não sou Hitler, não sou nem mesmo o papagaio do Pirata da Perna de Pau. Sou Ana Delfina de Amaral.Uma mulher que tem o nome nobre e talvez a alma também.Não tive pai para amar, tive mãe para odiar e algumas paixões. Sou Ana e pretendo rasgar minhas fotos antes de morrer.
Desculpa,
Ana"
Um livro da Fernanda Young, ganhei de Natal, estava podando minha leitura para que não acabasse algo tão intenso, mas acabou.Acabou.A minha xará, é a personagem principal do livro, eu me apaixonei por ela, não de uma forma gay, somente de admiração mesmo.Confesso que mexeu muito comigo todas as linhas desse livro.Todas mesmo.Digitei do livro isso, para guardar de lembrança e resolvi postar para ver se alguém leria.
Sei lá.
Deixa estar.

5 dizeres:

Unknown disse...

Eu comecei a ler sua postagem.
Tem spoiler? Se tiver nem leio. Quero ler o livro.

Anônimo disse...

Eu li. ^-^
Adoro teus posts. *-*

Hoss, E. disse...

E há coisa melhor que ganhar um livro, e se identificar com um personagem? É, talvez :)

Rodolfo disse...

Melhor que ganhar um livro é ganhar uma bicicleta. :DDDDDD

Anônimo disse...

Ganhar um livro é melhor que ganhar uma bicicleta. '-'